Ars Magica
(SPOILERS tanto do livro Harry Potter and the Deathly Hallows quanto do filme Stranger than Fiction)
Me sinto na obrigação de explicar um pouco essa minha conclusão, e pra isso queria usar como muletas um filme excelente que assisti recentemente, Mais Estranho que a Ficção. Mais exatamente o seu final - e as escolhas que o motivam - fazem toda a diferença na minha opinião sobre a idéia que meu preconceito foi absurdo e bobo - sorte minha que nem eu me ouço às vezes.
Como eu espero que você saiba - odeio espalhar spoilers, mesmo inadvertidamente - esse filme trata de um cidadão que se descobre dentro de uma história. O que seria bizarro se torna trágico: a autora da história é famosa por matar seus personagens, e nosso amigo vai precisar morrer. Diante dessa crônica de morte anunciada, o cidadão embarca na filosofia carpe diem, se apaixona e se desespera tentando remediar seu destino. Chega inclusive a conhecer sua "autora", explicando sua história e as implicações que a morte daquele personagem que ela escrevia secretamente teriam, uma morte pra alguém que nunca soube viver mesmo.
O que se segue é um grande dilema para a autora: Fica claro que para a perfeição da obra, é preciso morrer. O protagonista precisa se deparar friamente com a muralha irreversível da vida e, em um gesto de cinismo, morrer para a mensagem de sua vida consolidar-se em arte. Se optasse por poupá-lo, a autora não faria arte, faria Hollywood, finais felizes, todos inclusive bem felizes para sempre. Seria uma contradição. Não seria uma mensagem hermeticamente cheia de valores para as gerações seguintes, seria sessão da tarde. Não é Möet Chandon, é Coca-cola.
Pra mim ficou claro que J. K. Rowling encontrou um dilema parecido quando escreveu Deathly Hallows. Tenho duas opções: Posso matar - e assim faço que meus personagens entrem para a história, não mais a estória, mas a história mesmo, sendo lembrada pelos anais da literatura como uma série ultra-popular que soube manter seu espírito sem fazer concessões ao "agradável", resguardando sua mensagem de inevitabilidade dos desafios e a maturidade necessária pra se encarar - e aceitar - a morte sem desviar o olhar. Posso também me render ao final feliz, e jogar a ótima oportunidade pela descarga.
Na verdade, acho que afinal a escolha não foi tão difícil. Rowling foi coerente e, ao final, lembrou a todos que se tratava da mesma história de esperança do primeiro livro. Concessões faria se traísse a magia do mundo que criou - e angariou admiradores por todo o mundo - em troco do que poderia ser uma verdade mais profunda gravada em literatura. Nem todas histórias precisam ser tristes, especialmente as adolescentes e juvenis. Elas podem acreditar em final feliz, em esperança, em superação. Isso sim é uma verdade profunda, o reconhecimento que o cinismo e o ceticismo fanático são tão manjados quanto os clichês mais batidos por aí.
Assim como no filme sobre o qual eu falava, Rowling ponderou que a arte muitas vezes é mais poderosa em seu senso comum do que em sua perfeição técnica. Do mesmo jeito que seu filho-personagem, ela enfrentou o desafio de olhos abertos e disse: não vou ceder, sou melhor que você, tenho algo em que acreditar.
Nada mau. Nada mau mesmo.