A importante arte e ciência de estar ou ser errado
por Wagner Artur
Uma das figuras mais curiosas da Bíblia é o apóstolo Saulo de Tarso, mas conhecido como Paulo, aquele que escreveu as epístolas do Novo Testamento. Primeiro por ter sido um grande vira-casaca, deixou de perseguir os cristãos pra defendê-los, segundo por ser o homem forte que pôs a igreja - como instituição - nos eixos. Mas um terceiro ponto, que eu acho mais capcioso é desconhecido pela mitologia cristã padre-marcelística. Paulo disse expressamente que tinha um espinho em sua carne, que sempre serviria pra pô-lo nos eixos, "mostrar quem manda", e não deixá-lo jamais ser tomado pela ânsia de fazer uso do seu poder de influência com motivos privados. A natureza desse "espinho" é alvo de intenso debate. Aceita-se que é uma metáfora pra algo que o incomodava, mas ele não podia se livrar. Algo pra fazê-lo lembrar de sua hmanidade, seu caráter e sua missão.
Se me permitem, eu tenho minha opinião - amadorística, frise-se - sobre o que danado era esse entrave. Pra mim devia ser tipo um pecadinho bobo. Teria sido gula? Será que ele não conseguia deixar passar um coelhinho assado no ponto? De repente ele contava histórias de pescador e a baleia de Jonas nunca passou de uma truta. Talvez ele passasse horas se admirando à beira de um lago, tal qual Narciso. Sim, claro que ele tinha todas suas obrigações morais de líder da Igreja, grande apóstolo e etcetera etcetera etcetera, e tal função exigia dele total compromisso - incluindo celibato - e tamanha abnegação ao ponto de rechaçar quaisquer desses hábitos mundanos. Mas talvez o ponto seja justamente esse: Talvez a melhor forma de garantir que seu servo mais fiel fosse o mais íntegro fosse garantir, já de partida que ele seria - ao menos em parte - silenciosamente errado.
Eu acredito sinceramente que minha geração - eu incluso - perdeu o senso da importância do erro. Talvez pelo mesmo glamour identificado por Smith, o fulgor do sucesso brilha muito forte em nossa geração cyber-acelerada. E qual o papel do erro nessa história? O erro nasce da coragem e cria a educação. Não que todos os erros tenham sido cometidos com coragem ou que você sempre aprende após errar, mas na maioria das vezes você se arrisca e perde, e depois aprende. Erros são forças motrizes de desenvolvimento pessoal que nos permitem crescer mais em zonas mais catastróficas. Dia desses eu lia um blog de um maratonista amador de natal, um médico, que dizia que toda corrida causa danos ao corpo humano. Mas ele se recupera, e volta mais forte. Assim, esse intermezzo na verdade se compõe de um dano, que provoca uma reação contrária que não só conserta o dono como deixa a estrutura toda mais forte, mais estável.
Saber errar é ter consciência disso. É saber que ás vezes você precisa opinar, e que há chances que suas escolhas se demonstrem infelizes. Saber errar é saber que a possibilidade de perder não é o bastante para impedir de tentar. Saber errar é ter ciência que somos humanos, e não raro nos colocamos em matizes sociais tão complexas que chamar algo de verdade é extremamente cáustico, delicado e precário.
Contudo, talvez o mais importante seja justamente, reconhecendo a beleza e a glória proveniente - finalísticamente, claro - do erro, aprender a tolerá-lo nos outros. Vocês já estão cansados de me ouvir citar que "o inferno são os outros". Mas nesse caso, em que de repente podemos descobrir que a verdade nos foge e nós caímos no erro, o inferno é não reconhecer em nossas palavras uma teoria relativa, cuja glória e pujança - nos padrões de Smith - não será absoluta a ninguém. É nessa incerteza que confiamos nossa humanidade. O inferno é pensar que se é o único a ver em uma terra de cegos, isso sim, uma impenetrável solidão.