terça-feira, setembro 12, 2006

Talk about 9/11

Pra mim a data do onze de setembro é um dos dias mais importantes do ano, quase um feriado. E se o primeiro de maio é o dia do trabalho, dia 11 de agosto o dia do advogado, o feriado de 11 de setembro é o dia da ignorância.

Desnecessário dizer o impacto pra cultura ocidental, e por conseguinte pro mundo inteiro, do evento, então vou pular essa parte. Em 2001 eu ainda cursava o pré-vestibular, e em um dos meus tradicionais atrasos pra aula eu via pela tv a imagem do WTC exalando aquela fumaça preta. Vim pro colégio - a uma quadra do meu apartamento na ocasião - e fui com uns amigos pra o auditório, onde ficamos assistindo o desenrolar da situação pela tv. Acho que não tivemos aula no dia, não lembro o que aconteceu direito. Eu admito que meu primeiro pensamento foi de medo, algo extremamente não-verbal. O segundo pensamento foi mais ou menos: "finalmente uma terceira guerra mundial, finalmente algo de agitado pra animar a vida". o terceiro pensamento foi algo como: "como é vibrante presenciar o decurso da história".

Curiosamente, naquela época meu pensamento também era diametralmente oposto ao de hoje, e quando meus amigos perguntavam minha opinião sobre o ocorrido, eu dizia:

1 - Eles até saíram no lucro, isso já era pra ter acontecido antes.
2 - É agora que os EUA transformam o mundo todo em quintal...
3 - Legal, nunca tinha caido nem uma granada antes nos EUA!

E não é que eu retire qualquer uma dessas afirmações - que por sinal foram frias e recheadas de humor negro ao ponto de me render o apelido de anticristo por algum tempo ;P - mas é que simplesmente meu ponto hoje é outro. Talvez seja verdade o que dizem que eu me movo mais pela desconstrução do que pela construção, então seja mais fácil pra mim contestar que construir. Assim, se eu defendo uma opinião minha com um vigor X, eu questiono uma posição com vigor dez vezes maior. De qualquer forma, eu vim a crer que mais triste e degradante que a situação intrincada montada pelos EUA que em tese fomentou o ódio internacional, é o fato de que o mundo resolveu passar por cima dos seus valores éticos pra chutar em bêbado caído.

E quando eu penso nisso, eu penso imediatamente em milhares de pessoas que dizem: "eu acho é pouco, eles são um povo burro/explorador". "abaixo a dominação de BUSH, do capital e do FMI". "Viva a ofensiva dos terroristas palestinos que apenas exercem seu direito de se defenderem!". Praticamente que a Al-Qaeda é o Davi que finalmente vai derrotar Golias.

Mas que não se pense que é uma realidade pública assim não. Não é que as pessoas comecem a ir aos jornais ou que o editorial do Jornal Nacional vá falar que foi bem-feito. Não, pra inglês ver todo o país ficou extremamente compungido, todos comentaram a tristeza e a dor de tantas mortes. Mas logo em seguida vinha um engraçadinho pra dizer com seu sorriso zombeteiro que era bem-feito, e sequer gerar polêmica, porque tudo mundo acha isso mesmo.

Então, ainda mais vergonhoso que não ter a compaixão e humanidade - eu sei que esse termo é forçado, mas a situação pede - pra deixar os outros sofrerem em paz, ainda falta a INTEGRIDADE e a CORAGEM - aqui termo usado não no sentido ativo, mas no passivo mesmo, não é você ter coragem pra matar um leão, mas você não ter a matéria de que é feita coragem, a fibra, ou no popular, os culhões - de assumir suas idéias.

Então ficam todos - e faço questão de me incluir fora dessa - apontando com uma mão rota e escarnecedora, desdenhando o vizinho, pois ele tem a grama mais verde, a casa mais bonita, e portanto, não tem o que reclamar. Ele já bateu em toda a vizinhança, nada mais normal que alguém bata nele. Isso se chama reciprocidade. Isso se chama olho por olho, dente por dente.

Isso se chama a barbárie. Um mundo sem Direito.

Me parece contundente a imagem de pessoas chorando e velando seus mortos com cerimoniais e toda a pompa. Enquanto isso, no Brasil, as pessoas mal lembram da ditadura. Quando estive em Buenos Aires, em frente à Faculdade de Direito existe uma ponte, que atravessa a Av. del Libertador, que tem inscrita sobre si o nome de todos os estudantes de Direito que morreram combatendo a ditadura. Eu não sei nem se algum estudante da minha faculdade morreu combatendo a nossa ditadura, sei que tenho professores sequelados por ela, e o nosso prédio histórico está em vias de ser doado pelo reitor pra virar uma escolinha de balé, pra ver se o Governo do Estado destrói o que não destruiu no prédio na primeira vez em que tomou conta.

E continuamos nas alcovas. E continuamos na margem. E ai de você se destoar. Não que alguém vá fazer um pronunciamento público, mas as alcoviteiras vão ter semana cheia. Ai de você se cometer uma loucura momentânea, milhares de bocas vão murmurar ao mesmo tempo sobre você, sua vida, seu passo e seu futuro. Altamente politicamente indesejável.

E o que mais me revolta, o ápice da mediocridade do meu povo, é conseguir ver a foto dos mortos, das famílias chorando a perda de seus familiares, e não ficar calados. E ainda assim trazer forças do último círculo do inferno pra dizer: "eu acho é pouco".

Cada povo tem o governo, a democracia e a tragédia que merece, e nossa tragédia é justamente essa, nada, pois não passa de um povo vazio.

Feliz ignorância para você.