quinta-feira, maio 10, 2007

Clipping 001

Opinião: como Churchill, melhor que Churchill

Lluís Bassets*

Ele merece a glória, sem dúvida, e aí está a última de suas vitórias, talvez a mais retumbante, a paz na Irlanda do Norte. Mas também merece a crítica, como se encarregam de lembrar dia após dia as notícias alucinantes que chegam de Bagdá, capital esquartejada do país de todas as guerras civis. Sua culpa, voluntariamente compartilhada com Bush, é tão negra que chega a ocultar o brilho de seus dez anos como primeiro-ministro. Ele quis ser o melhor primeiro-ministro da história do Reino Unido, e o teria conseguido caso triunfasse na jogada mais difícil e mais arriscada, a que o levou a sua perdição.

Sem o GAL (Grupo Antiterrorista de Libertação) dos Açores, sua cota nas mentiras da guerra, a insistência com que continuou defendendo a invasão e a degradação em seu próprio país e em toda a Europa das liberdades individuais e dos direitos humanos ocasionada pela guerra do Iraque, Tony Blair anunciaria hoje sua retirada transformado num dos melhores primeiros-ministros da história de seu país. Mas não lhe bastava ser um dos melhores, ele quis ser o melhor. E assim teria sido se a jogada nefasta do Iraque tivesse saído como a jogada de mestre de seu antecessor contra Hitler.

O jornalista e escritor alemão Sebastian Haffner resumiu em 1967 com traços rápidos o que Churchill significou para a história: "Até 1940, a história do mundo e inclusive a da Inglaterra seriam concebíveis sem Churchill. (...) Mas nos anos de 1940 e 1941, Churchill foi o homem do destino. (...) Em poucas palavras, sem o Churchill dos anos 1940 e 1941 seria perfeitamente concebível que neste exato momento um Hitler septuagenário estivesse governando um estado pan-germânico das SS cujo território se estenderia do Atlântico até os Urais ou talvez mais longe". ("Winston Churchill - Uma biografia").

Pois bem, Blair quis ser, depois dos atentados de 11 de Setembro, o homem do destino. Sabia como seria difícil para Bush empreender sozinho a guerra preventiva contra o Iraque e decidiu colocar-se a seu lado incondicionalmente. Sonhou ter em relação a Saddam Hussein e à democratização do Oriente Médio, incluindo a paz entre israelenses e palestinos, um papel análogo ao de seu memorável antecessor em relação à Europa. Contribuiu para esse sonho, em não pequena medida, a metáfora abusiva trabalhada pelos neoconservadores amigos de Bush, precisamente a partir de uma visão simplista do papel que os EUA tiveram na Segunda Guerra Mundial. Bush, como um novo Roosevelt, seria de novo o libertador do mundo, ajudado por Blair, o novo Churchill. Havia novamente um Eixo do Mal - Iraque, Irã, Coréia -, como antes houvera um eixo nazi-fascista - Alemanha, Itália, Japão.

Também no meio, os apaziguadores, partidários do diálogo e da mediação, para repetir diante do terrorismo islâmico a rendição das democracias diante de Hitler em 1938 em Munique, quando entregaram a Tchecoslováquia. E os judeus, neste caso Israel, ameaçados por um novo Holocausto, agora pelas mãos de árabes e muçulmanos. Pôde sonhar, inclusive, com as conferências de distribuição do mundo e com uma recuperação da influência britânica na África e na Ásia e, logicamente, com a direção dos assuntos europeus como único interlocutor da única superpotência, por cima do continente da fraqueza e da covardia.

O mérito dessa elaboração não é unicamente neoconservador. Depois da queda do comunismo, toda uma geração da esquerda européia se incorporou à fabricação dos grandes consensos internacionais. Uma boa parte apoiou a guerra de Bush pai contra o Iraque para restabelecer a ordem e o direito internacional violados por Saddam Hussein ao invadir o Kuwait. São muitos mais ainda os que defenderam o direito de ingerência e a obrigação da intervenção humanitária diante dos genocídios e matanças na região dos Grandes Lagos ou na Somália. A nova esquerda européia pediu e apoiou os bombardeios sobre a Sérvia e a libertação de Kosovo para pôr fim à limpeza étnica.

Já com Bush filho, inicialmente alérgico a intervenções humanitárias, estes mesmos apoiaram a invasão do Afeganistão sob o guarda-chuva da ONU. E acabou-se: já seguiram com a guerra preventiva, sem cobertura da ONU, e a fabricação de provas falsas. Salvo Tony Blair, que se transformou em um dos outros, um neoconservador, crendo que a história afinal lhe daria razão. Depois o mundo se afundou a seus pés.

A derrubada do tirano, único argumento válido para a geração moral que ele quis encabeçar, revelou-se ínfima e inútil. E as imoralidades de uma guerra imoral fizeram o resto. Quis ser como Churchill para ver se podia ser melhor que Churchill. Mas fracassou.

*Lluís Bassets é jornalista e diretor adjunto do jornal El País, no qual escreve uma coluna semanal sobre política internacional. Mais em http://blogs.elpais.com/lluis_bassets/

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Não sei se deixei me convencer fácil, mas achei muito lúcida a análise.

Espero que gostem!

6:51 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ah, Artur, comentei apropriadamente no post (Musical Caps), mas só agora.

Então, reforço aqui: edita aquilo! Muito chato ter que parar o vídeo toda vez que entro no blog.

6:58 PM  
Blogger Thomaz Napoleão said...

Enormes exageros. Em primeiro lugar, a importância de Churchill na guerra foi pirulito de criança perto do que o Exército Vermelho fez. Hitler não chegou aos 70 anos porque invadiu o pais errado a leste, não a oeste.

Além disso, com exceção da Irlanda do Norte, Tony Blair não foi tão maravilhoso assim. Sempre foi carismatico e bom em PR, mas acho que sera lembrado apenas como uma figura simbolica da geração da Third Way, que ja esta desaparecendo na Europa.

E que "boa parte" da esquerda européia apoiou a guerra do Iraque? Berlusconi, Aznar e Durão Barroso não me parecem muito socialistas. E os aliados da "nova Europa" dificilmente contam. No leste europeu não existe esquerda.

12:12 PM  

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